Há pessoas que você não consegue esquecer. E há pessoas que você simplesmente não consegue lembrar.
Quando eu era pequena, tinha uma melhor amiga que sempre ficava aqui em casa, me fazendo companhia nos dias solitários. Mas, entre meus 6 e 8 anos, ela se mudou e colocou um fim na nossa amizade. Mesmo dez anos depois, lembro como era tê-la por perto. Tenho milhares de fotos que registram sua aparência, nossas brincadeiras, nossos risos.
Mas e as outras pessoas? As que não deixam rastros? O que acontece com as pessoas que, nesse texto, irei chamar de “pessoas invisíveis”? Elas podem estar na nossa vida desde a infância, mas só fomos nos dar conta de sua existência em um dia aleatório, anos depois, e já era tarde demais: ela sumiu. Não temos fotos, amigos em comum e muito menos seguimos no Instagram. Só temos uma memória cada dia mais vaga e um sentimento bom no coração.
Às vezes elas vêm em forma de cotidiano. Como uma mulher que sempre sorri para você na rua e torna o seu dia menos monótono. Ou um casal dançando que te fez voltar a acreditar no ‘felizes para sempre’. E até mesmo nos olhos admirados de uma criança ao te ver conversar com ‘os mais velhos’.
Lembro que uma professora de português elogiou um poema que eu escrevi. Não lembro seu nome ou aparência, mas lembro do sentimento que ela deixou em meu coração ao apreciar algo que eu fiz. Naquele momento, eu pensei “caraca, será que eu tenho talento para isso?”. E, bem, talvez eu não estaria escrevendo esse texto se ela não tivesse feito esse pequeno comentário para uma Alezinha que não sabia a diferença de “c” e “ç”, mas que tinha muita imaginação.
Tenho certeza que aquele foi somente mais um dia de trabalho para ela, que deve estar aposentada agora. E sua vida vai continuar fluindo sem ela saber que marcou a vida de uma criança com um simples comentário.
Minha mãe tem uma história bem parecida. Ela me fala sempre sobre como amava um certo professor e que, em um dia aleatório, ele se aposentou e ela nunca mais ouviu falar dele. Nem sabemos se está vivo. Isso me incomodou profundamente porque, na época, eu não queria acreditar que as pessoas são temporárias. Como assim eu não vou mais ver a bibliotecária que me parabenizou por eu ler muito rápido? E como eu esqueci o nome da menina que eu encontrei em um parque e, em poucos minutos, viramos amigas? Qual era o nome da mulher que falou que viu Jesus em mim?
Esses dias eu li um livro chamado ‘A Vida Invisível de Addie LaRue’, e acho que se encaixa perfeitamente nesse contexto. Ela cruza o caminho das pessoas e, no instante seguinte, desaparece da memória delas. É uma garota que ninguém consegue lembrar, mas que deixa marcas profundas, já que todos possuem ela nas suas criações. Foi a musa invisível de diversos pintores e escreveu maravilhosas melodias pelas mãos de alguém.
E talvez seja isso que aconteça com as pessoas invisíveis das nossas vidas. Elas somem da memória, mas não sem deixar rastros.
Minha inspiração para fazer esse texto veio quando eu lembrei da época em que eu fazia teatro e sempre sentava perto de uma menina. Não lembro praticamente nada sobre ela, já que mal conversávamos fora do curso, mas lembro como ela era firme ao defender suas ideias e como nunca, apesar das brincadeiras dos meninos, sentia vergonha de ser quem ela era. Sei que, mesmo se passarmos uma pela outra na rua, não vou reconhecê-la. Faz muito tempo. Mas a marca que ela deixou está aqui, transformada neste texto.
Fico pensando: quantas marcas invisíveis carregamos? Quantas pessoas passaram pela minha vida e me transformaram, mesmo sem saber? Será que eu já inspirei alguém? Será que eu já marquei alguém? Será que, em algum lugar, alguém lembra de mim? Não do meu rosto ou nome, mas por algo que eu disse ou fiz.
O fato de sermos tão marcantes mesmo tendo uma vida tão efêmera é muito fascinante. Somos passageiros, sim, mas podemos fazer arte ao cruzar o caminho de alguém. Isso é tanto uma bênção quanto uma maldição, para falar a verdade. Tudo depende de como você escolhe impactar a vida do outro, e de como o outro recebe a mensagem. Nós somos responsáveis pelas marcas que deixamos, sim, mas nunca teremos o total controle de como seremos lembrados. Afinal, também depende de como o receptor da mensagem irá a decodificar.
É incrível como temos o potencial de ser lembrança, mesmo quando esquecidos.
Espero que tenham gostado! E, como amo muito Addie LaRue, vou deixar uma playlist que eu fiz para o livro, caso alguém queira ler ouvindo música:
cara, que texto fascinante! vez ou outra esse tipo de assunto aparece na minha mente e é tão incrível pensar em como detalhes tão pequenos podem ter impactos tão significativos. eu diria que, se tenho um sonho na vida, definitivamente é ser uma pessoa que, apesar de invisível, deixa rastros e exemplos positivos!
que texto bom. me lembrou uma frase que li em algum lugar que não me recordo que diz “o que é o luto se não o amor perseverando?”. de certo, pensar em pessoas que nos deixaram ou que nos marcaram de certa forma são exemplos de lutos que podemos ou não carregar ao longo da vida. e pensar que o luto - mesmo carregado de dor - se pauta no amor, que ainda, busca transparecer, como em textos assim. sou uma fábrica que funciona porquê pessoas me ensinaram a agir e algumas a resistir. parabéns pelo texto! ♡